segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Artigos Científicos






Hanseníase: aspectos clínicos, imunológicos e terapêuticos
*Artigo original no idioma Português Brasileiro.


VOLUME 74 - Nº 2: Educação médica continuada


RESUMO

Considerando a complexidade das manifestações clínicas da hanseníase e sua correlação com as alterações imunológicas encontradas dentro do espectro clínico da doença, e , ainda, a importância do tratamento específico no controle do quadro clínico, imunológico e epidemiológico, são relatados os aspectos de maior relevância, incluindo resultados de investigação imunológica para a melhor compreensão dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos na reacionais e a eficácia da poliquimioterapia no controle e na baixa frequência de recidivas da doença.

Palavras-chave: , CLÍNICA , IMUNOLOGIA , HANSENÍASE , TERAPÊUTICA ,


INTRODUÇÃO
Hanseníase é doença endêmica no país, com prevalência de 5.33 doentes/10.000 habitantes no ano de 1997, que constitui grave problema de saúde pública por causar incapacidade física permanente, e apresentar altos níveis endêmicos com distribuição variada nas diferentes regiões, fatores que geram dificuldades para o seu controle epidemiológico.

É causada pelo Mycobacterium leprae, parasita intracelular obrigatório. e caracterizada por apresentar-se com amplo espectro de manifestações clínicas, que contém em seus extremos pólos estáveis e opostos, intercalados por formas instáveis que podem adquirir aspectos clínicos e imunológicos de cada um dos pólos, dependendo da potencialidade de resposta imune do hospedeiro.

Mycobacterium leprae, primeira bactéria descrita como patógena para o homem. foi descoberto por Amauer Hansen em 1873.1 Apresenta-se sob a forma de bastonete, álcool-ácido-resistente (baar), cora-se em vermelho pela fucsina ácida (Ziehl Neelsen) em esfregaços do lesões habitadas, tem reprodução muito lenta (12 a 14 dias) e afinidade por células do tecido cutâneo e de nervos periféricos. Em cortes histológicos utiliza-se a coloração do Faraco, que revela a presença dos bacilos. Não é cultivado em meios artificiais, mas apenas em cultural do tecidos, sendo os macrófagos humanos as células mais utilizadas. Permanece viável até 36 horas no meio ambiente ou aproximadamente nove dias à temperatura de 36.7°C e 77.6% de umidade média.2 Necessita de temperatura inferior à média, de 37ºC, do corpo humano (em torno de 35ºC) para se desenvolver, localizando-se, preferencialmente. em regiões mais frias do corpo humano como nariz, testículos e locais onde os nervos se encontram muito próximos à pele, como os lóbulos de orelhas.3, 4

O doente multibacilar (HV, DV, DD) é a principal fonte de infecção, pois, apresentando elevada carga bacilar na derme e em mucosas, e podem eliminar bacilos no meio exterior. Admite-se que a hanseníase seja transmitida pelas vias respiratórias. Não há, entretanto, até o momento, provas conclusivas de que a transmissão seja exclusivamente por via respiratória, podendo ocorrer também a possibiIidade de transmissão via cutânea, quando existem lesões ulceradas ou traumáticas na pele.4,5 Nas regiões tropicais , as secreções nasais de multibacilares mantém-se viáveis por até nove dias6 e, no solo úmido, em temperatura ambiente, por até 46 dias.7

Em animais, como o chimpanzé (Pan troglodytes), o macaco mangabei (Dercocebus troglodytes atyp ) e o tatu (Dasypus novemcintus), a infecção pode ser encontrada e adquirida naturalmente.2

Quanto a influência de fatores ambientais na transmissão da doença, tem sido descrito que é uma endemia, só existente praticamente nos países tropicais, coincidindo com o subdesenvolvimento, cuja pobreza configura-se como fator de risco. Não se sabe, entretanto, a importância do estado nutricional, aglomeração domiciliar ou presença de outras doenças concomitantes no desencadeamento da hanseníase.4 Porém, é fundamental a interação entre fatores intrínsecos ao indivíduo (susceptibilidade genética) e fatores ambientais. Pouco se sabe sobre a susceptibilidade genética à infecção; ao que parece, a maioria (cerca de 90%) da população é geneticamente resistente, por mecanismos ainda desconhecidos.8, 9 Parte dos susceptíveis desenvolve a doença. Aqueles que desenvolvem a doença, passam por longo período de incubação (3 a 5 anos) e, a seguir, pela fase inicial da hanseníase (3 a 5 anos) e não contagiosa, sem sequelas. 5, 10

ASPECTOS CLÍNICOS
Geralmente, a doença inicia-se pela hanseníase indeterminada, caracterizada por máculas hipocrômicas com hipo ou anestesia local (tátil, térmica, dolorosa). Ao exame histológico apresentam infiltrado inflamatório inespecífico, que pode ou não atingir filetes neurais.9 Estas lesões poderão curar-se espontaneamente ou evoluir para uma das formas polares, segundo a capacidade de resposta imune contra o M. leprae.

As formas polares - hanseníase tuberculóide-HT e virchovwiana-HV, descritas inicialmente no Congresso de Madri, 1953,9 são bem caracterizadas e estáveis, com diferenças evolutivas, clínicas e imunológicas marcantes,12 descreveram que a doença cursa dentro de um espectro de formas clínicas, relacionado ao estado imunológico do paciente, limitado em um dos pólos pela forma virchoviana e no outro pela tuberculóide. Entre elas existem as formas intermediárias: dimorfa virchovinna-DV, dimorfa dimorfa-DD e dimerfa tuberculóide-DT.

HT, forma de alta resistência à infecção pelo M. leprae, manifesta-se com lesões cutâneas e/ou neurais única ou em pequeno número, bem delimitadas e com ausência de bacilos. Apresentam hipo ou-anestesia local, borda papulosa e infiltrada, coloração eritêmato-acastanhada, anidrose e/ou queda de pêlos, o podem acompanhar-se de espessamento do tronco neural próximo à lesão. Esse, às vezes, é o único sinal da doença denominada hanseníase tuberculóide neural pura, que apresenta alteração da sensibilidade na área de trajeto do nervo sem lesão cutânea aparente.9,10 Tais manifestações são relacionadas à exacerbação daresposta imunecelular que leva à formação de granuloma, limitação das lesões e destruição completa dos bacilos.

A histologia mostra granulomas de células epitelióides, presença de infiltrado tuberculóide e escassez ou ausência de bacilo. Geralmente os granulomas são alongados, acompanhando o trajeto do filete neural e apresentar necrose central, onde é possível encontrar restos de filetes nervosos destruídos.12 A reação de Mitsuda na HT é positiva.9

Encontra-se, no outro pólo do espectro, a hanseníase virchowiana, forma de alta susceptibilidade, que apresenta deficiência de resposta imunecelular, excessiva multiplicação bacilar e disseminação de doença para vísceras e tecido nervoso. Evolui insidiosamente, acometendo, além do tecido cutâneo, nervos periféricos, órgaos internos e olhos. Aparecem na pele infiltração difusa; pápulas e nódulos eritêmato-violáceos (hansenomas, ricos em bacilos); xerose, com áreas de descamação fina, devida à anidrose associada à desnervação das glândulas sudoríparas; áreas de rarefação de pêlos; e alopecia provocada pela desnervação dos folículos pilosos.9 Há acometimento de multiplos nervos periféricos. que se tornam espessados à palpação (em geral, nervos: auriculares, radiais, ulnares, medianos, fribulares comuns e tibiais posteriores). As lesões cutâneas se distribuem principalmente em áreas mais frias do corpo e são ricas em bacilos. A hipoestesia das extremidades e das lesões deve-se à destruição dos nervos periféricos.5

Na histopatologia das lesões cutâneas observa-se infiltrado celular extenso que atinge até a gordura subcutânea, apresentando uma faixa de colágeno normal (Faixa de Unna) entre a derme e a epiderme. Nesse infiltrado predominam macrófagos com citoplasma espumoso (células de Virchow), contendo lipídeos14 e quantidade abundante de bacilos. Há destruição dos apêndices cutâneos e presença de bacilos Alcool-ácidos-resistentes em torne dos nervos periféricos.5,,12,2, É a forma mais importante do ponto de vista epidemiológico, estando os bacilos presentes nas lesões cutâneas na proporção de 1010 bacilos/g tecido.15

Nas formas intermediárias da hanseníase, as manifestações clínicas são semelhantes, principalmente nas formas DD e DV apresentando em geral, lesões papulosas, eritematosas, edematosas, de limites internos bem definidos e externos imprecisos, centro hipocrômico e anestesia local. As lesões são denominadas pré-foveolares (eritematosas, planas, com o centro claro) e foveolares (eritematosas, infiltradas com centro deprimido). A presença de nódulos infiltrados na face e pavilhões auriculares apro­xima do pólo virchowiano e lesões cutâneas pouco numerosas e assimétricas revelam tendência ao pólo.9,2

As alterações histológicas dependem do quadro clínico e podem ser constituídas de granulomas com células espumosas e epitelióides. A pesquisa de bacilos é positiva em quantidades variáveis.12

Entretanto, durante a evolução da doença ou do tratamento, podem ocorrer surtos de alteração da resistência ao M. leprae que resultam em reações imunológicas denominadas estados reacionais da hanseníase, classificadas em: reação reversa - RR (Tipo 1) e eritema nodoso -EN (Tipo 2), segundo Jopling & McDougall. 1991.10

Reação reversa, reação de hipersensibilidade tardia, frequente na hanseníase dimorfa está associada ao aumento da resposta imune celular aos antígenos do M. leprae, caracteriza-se por edema e eritema das lesões pré-existentes ou surgirem novas lesões e edema das extremidades (mãos e pés). Na histolopatologia há edema, formação de granulomas epitelióides e influxo de linfócitos.

O eritema nodoso, reação por imunocomplexos circulantes e intensa reação inflamatória, manifesta-se com febre alta, neurite, artrite, edema, pápulas e nódulos cutâneos dolorosos difusos, às vezes lesões numulares eritêmato-infiltradas em alvo, semelhantes às lesões de eritema polimorfo. Apresenta ainda, adenomegalias, hepato-esplenomegalia e aumento de proteínas da reação inflamatória aguda, como a Proteína-C­Reativa.16 Histologicamente, encontra-se infiltrado neutrofílico, leucocitoclástico. Escassos bacilos, fragmentados, em torno dos vasos e pequenos granulomas com histiocitos espumosos, contendo bacilo, dispersos ao longo da derme e hipoderme.,12

DISCUSSÃO
A defesa ao M.leprae é feita pela resposta imune mediada por células (reação TIPO IV, na classificação de Gell Coombs), especialmente macrófagos e IinfócitosT, que, por meio da efetiva integração de suas atividades podem ou não destruir e eliminar os bacilos. Toda a evolução e a fisio­patologia da doença podem estar relacionadas às alterações imunológicas da relação parasita-hospedeiro que ocorrem na hanseníase. Logo, a apresentação dos aspectos imunológicos característicos e sua correlação com as formas clínicas tornam-se fundamentais para o entendimento da doença.

ASPECTOS IMUNOLÓGICOS
A capacidade de resposta imunológica pode ser avaliada através da reação de Mitsuda, que consiste na inoculação intradérmica de suspensão de bacilos (humanos ou provenientes do tatu) mortos pelo calor, cuja leitura é feita após quatro semanas, resultando em pápula infiltrada, reação positiva ou, ausência de alteração cutânea, reação negativa.

O resultado desta reação associado à carga bacilar podem assinalar a potencialidade de resposta imune do paciente. Assim os susceptíveis à doença apresentam quantidade elevada de bacilos elevada (medida pelo índice baciloscópico) e ausência de resposta imune (Mitsuda negativo), enquanto nos resistentes há hiper-reatividade imunológica (Mitsuda positivo) e ausência de bacilos nas lesões. Nas formas dimorfas pode ocorrer um equilíbrio entre estes dois fatores.

A avaliação da resposta humoral mostra ativação desta em virchowianos e DV, caracterizada por níveis elevados de anticorpos específicos (Anti-PGLI), altas concentrações do antígeno-PGI-I no sangue periférico que refletem a acentuada carga bacilar destes pacientes.15,16,17, Em tuberculóides os níveis desse anticorpo apresentam-se semelhantes aos dos controles normais.18,19 Anti PGL1 é anticorpo específico para o antígeno PGL1 glicolipídeo fenólico da parede do M. leprae, e não apresenta reação cruzada com M. tuberculosis ou outras micobactérias.20, 15

A resposta humoral é inefetiva para a eliminação dos bacilos na HV, a eficácia da defesa é efetuada por células capazes de fagocitar e destruir a bactéria (macrófagos-APC), apresentando apenas a sua fração antigênica às células efetoras (linfócitos).

A presença do bacilo no interior de macrófago induz sua ativação que resulta na produção das citocinas ILl, a TNF e ILI2 que atuam sobre linfócitos T, geralmente a população de fenótipo CD4+ (helper), tornando-os ativados e com capacidade de produzir suas próprias citocinas. A citocina IL12 estimula diretamente a célula NK (Natural killer) que passa a produzir IFNy. Esta citocina. IFNy, estimula o macrófago e associada à ação do aTNF atuam ambos, sinergisticamente, incrementando a ativação macrofágica.

Linfócito-T (subpopulação Th 1) produz as citocinas IL2, IFNy e βTNF. citocinas pró inflamatórias, responsáveis pela manutenção da resposta imunecelular. A subpopulação Th2 produz as citocinas IL4, IL5. IL6, IL8 e IL10. IL4 a IL10 são supressoras da atividade macrofágica. Paralelamente, IL4 estimula linfócitos B (produtores de imunoglobulinas) e mastócitos que passam a produzir IL4. ocorrendo aumento do quantidade dessa citocina e acentuação da supressão macrofágica.

Portanto, dependendo do subpopulação de células T e da atividade macrofágica, haverá predominância de mecanismos de defesa ou de disseminação do doença, expressados clinicamente pelas formas tuberculóide e virchowiana, respectivamente. Os mecanismos de defesa são relacionados a presença das citocinas TNF- α e IFN-y e à produção de mediadores de oxidação, como reativos intermediários do oxigênio (ROI) e do nitrogênio (RNI), elementos fundamentais para a destruição bacilar no interior de macrófago.21, 22 Porém, em algumas situações em que há produção das antígenos PGL1 e LAM (Iipo arabinomanana) o bacilo pode apresentar mecanismos de escape à oxidação intramacrofágica, pois estas substâncias possuem função supressora do atividade macrofágica.

A destruição ou a multiplicação do bacilo no interior do macrófago pode ser determinada por mecanismos imunológicos que envolvem a apresentação do antígeno (Complexo MHC) e pelo antígeno de histocompatibilidade HLA, ambos geneticamente herdados. Na HT há predomínio do padrão de antígenos HLA do fenótipo HLA-DR2 e HLA­DR3, não conferindo suscetibilidade à doença, e no HV e na DV predominam o fenótipo HLA-DQI, relacionado à suscetibilidade.23

Associa-te a esses fatores a deficiência específica da capacidade de macrófagos de virchowianos de destruir o M.leprae.24,25,26 A relação entre a reatividade imunológica e o tipo de antígeno HLA destaca que macrófagos, infectados pelo bacilo, constituem um dos elementos que pode conduzir o tipo de evolução da infecção.27,28,29

Foi observado que macrófagos de HV produziram quantidades de TNF- α e de IL6 significativamente menores quando comparados com a produção de HT, sugerindo quea depressão da resposta macrofágica é associada à presença do bacilo e/ou de seus componentes.30,31,32,33

Em macrófagos de animais infectados com M.Ieprae foi encontada redução da capacidade de produzir derivados do oxigênio, ânion superóixido e resistência a ação do IFN-y na ativação destas células.34,35 Assim como em culturas de células de pacientes com hanseníase desenvolvidas na presença de M. leprae e de seus derivados: PGL1 e LAM.36,37 Os mecanismos envolvidos nesta reação favorecem a multiplicação bacilar associada à liberação de citocinas bloqueadoras da atividade macrofágica (IL10 e TGF- β) e o desenvolvimento da supressão específica do sistema imunológico de virchowianos, que culmina com o predomínio do escape do bacilo à destruição intracelular.38

Por meio de métodos imunohistoquímicos têm sido analisadas a presença desses mediadores da reação inflamatória e o padrão celular predominante nas lesões cutâneas do hanseníase, sendo observadas proporção (2:1) de Iinfócitos T4:T8 em lesões de HT e de HV (0,5:1),8 e, ainda, disposição diferente das células no infiltrado inflamatório para as duas formas do doença.39,33

Outro fator que pode favorecer a manutenção da supressão é a presença da citocina TGF- β, supressora da ativação macrofágica.40 41 TGF β, está presente em quantidades acentuadas nas lesões de HV e nas formas interpolares em níveis decrescentes de HDV a HDT, sendo ausente em lesões de HT.42,33 Adicionalmente, foi encontrado no infiltrado inflamatório de Iesões da HV ausência de imunorreatividade ao TNF- α e depressão da detecção de óxido nítrico, determinado pela enzima Óxido Nítrico sintase induzida-iNOS.25

Em contraste, a exacerbação da imunidade celular e a produção de citocinas pró-infamatórias (IL1 e TNF- α) como na HT, contém a proliferação bacilar e impedem sua disseminação, que pode tornar-se lesiva para o organismo e ser a causa das lesões cutâneas ou neurais, pela ausência de fatores reguladores.42,43

TGF- β estimula a maturação e proliferação de linfócitos T supressores.44, 45, 46 Como na HV foi descrita depressão da atividade citotóxica.47,48 poder-se-ia relacionar ao TGF- β a somatória destes fatores que favorecem a depressão imune da HV. TGF- β inibe a liberação dos mecanismos bactericidas (ROI e RNI), em ação antagônica ao IFN-y, durante a ativação macrofágica.49,50

IFN-y induz a destruição bacilar, reduz a viabilidade do M.leprae.51,52 aumenta a freqüência de surtos de EN e estimula a produção de TNFα por células mononucleares.53 Na HV esta ação fica prejudicada pela presença de TGFβ, IL4 e IL10.54, 55 No soro e nas culturas, as medidas de TNF- α, ILI e IL6 foram deprimidas em virchowianos, associadas a quantidades acentuadas de IL4 e de TGF- β nas lesões cutâneas.56, 33

Este quadro de depressão imunológica dos virchowianos, pode ser interrompido porepisódios abruptos de alteração da resposta imune, como na reação do tipo EN.

A gravidade destes estados tem sido associada a elevados níveis da citocina TNF-α.56,58 sugerindo que TNF-α associado a altos concentrações de IFNy são importantes no desenvolvimento da complexa sintomatologia do eritema nodoso57,58 favorecendo a destruição bacilar. Porem, pora que isso ocorra, é requerida a quimioterapia concomitante.59

Portanto, pode se supor que durante os surtos rea­cionais ocorra recuperação temporária parcial ou completada capacidade microbicida potencializada pela poliquimioterapia.

TRATAMENTO
Atualmente o esquema recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o tratamento da hanseníase representa um importante avanço técnico para o controle da doença.60,61 Para fins operacionais os pacientes são classificados em paucibacilares e multibacilares, dependendo do resultado de baciloscopia de pele. Os regimes terapêuticos consistem da associação de três drogas: dapsona, clofazimina e rifampicina por 6 meses para os doentes paucibacilares e dapsona. clofasimina e rifampicina por 24 meses, para os multibacilares. Este é o esquema poliqui­mioterápico (PQT), eficazes e bem tolerados pela maioria dos pacientes.

Esquematicamente.

Paucibacilares (PB)

Rifampicina - 600mg/ mês, supervisionada.

Dapsona - 100 mg/dia auto-administrada.

Duração do tratamento: 6 doses mensais em até 9 meses.

Multibacilares (MB)

Rifampicina - 600mg/ mês, supervisionada.

Clofazimina -300mg/mês, supervisionada.

Clofazimina - 50mg/dia auto -administrada.

Dapsona -100mg/dia auto - administrada.

Duração do tratamento: 24 doses mensais em até 36 meses.

Com estes esquemas centenas de milhares de pacien­tes com hanseníase multibacilar foram liberados do tratamento no período mínimo de dois anos, tendo sido asseguradas vi­sando a prevenir recidivas após sua interrupção a eliminação de mutantes resistentes à rifampicina e a redução do número de bacilos viáveis até que não fossem mais detectáveis.

Dapsona ou sulfona é usualmente não tóxica nas doses recomendadas. Pode induzir a quadros moderados de anemia homolítica durante o tratamento, excluindo os casos em que o paciente apresenta deficiência da enzima glicose 6 fosfato dehidrogenase (G6PD), nos quais pode desencadear anemia hemolítica grave. Raramente o uso das sulfona leva a agranulocitose. Na dose habitual de 100mg/dia é fracamente bactericida contra o M. leprae.

Clofazimina, um corante iminofenazínico, geralmente, não é tóxica na dose recomendada para o tratamento da doença. Causa pigmentação de pele, sobretudo nas Iesões cutâneas, que desaparece completamente após a interrupção do tratamento. Em altas doses, utilizadas para controle de estados reacionais, pode provocar graves alterações gastrointestinais.

Rifampicina é a droga de maior atividade bactericida contra o M. leprae, em administração mensal de 600mg, sendo considerada a droga mais importante no tratamento da hanseníase. Sua toxicidade, relacionada com a dose: (600mg) e intervalo entre elas (30dias), raramente, provoca insuficiência renal, trombocitopenia, pseudo síndrome gripal e hepatite.

Apesar da excelente tolerância à PQT são relativamente freqüentes os surtos de reações hansênicas, tipo RR ou EN, durante ou pós tratamento. Esses episódios apresentam as caracteríticas já descritas e devem ser tratados segundo o tipo de reação. Assim preconiza-se para:

Reação Reversa: corticoterpia - Prednisona 1mg/kg/ dia, durante a fase aguda com redução Ienta.

RR e neurite: corticoterapia- Prednisona até 1,5 a 2.0 mg/kg/dia com regressão lenta. Imobilização em posição de repouso. Avaliação do comprometimento neural. Fisioterapia após involução da fase aguda.

Eritema Nodoso: avaliação do estado geral. Talidomida: 200-300mg/dia, durante a fase aguda, com redução gradativa.

Pentoxifilina: 1200mg/dia, na fase aguda. Essa droga pode ser utilizada nos casos de contra indicação de Talidomida. Atualmente, tem sido usado por alguns grupos com resultados satisfatórios.

EN e neurite: associar corticoterapia, seguindo orientação para neurites.

Observação: antes da corticoterapia devem ser tratadas as verminoses presentes.

Durante a corticoterapia devem ser avaliadas sobre­tudo glicemia e níveis de pressão arterial, especialmente. Após a alta terapêutica pode, muito raramente, ocorrer recidiva da doença.

Recidiva em hanseníase é definida como a ocorrência de sinais de atividade clínica da doença, após alta por cura.61-65 A atividade clínica da doença é diagnosticada por sinais cutâneos tais como aparecimento de novas lesões, aumento das lesões preexistentes acompanhadas ou não de eritema, infiltração e ulceração não-traumática; e neurais, geralmente espessamento e/ou hiperesia de nervos e troncos previamente normais, paresia ou paralisia de músculos não afetados anteriormente, novas áreas anestésicas ou acentuação da alteração de sensibilidade em área previamente afetadas.

As recidivas são de início lento e insidioso, ocorrem tempos após o término da PQT, sem sintomas gerais, e podem ser acompanhadas de envolvimento neural com alterações muitos discretas.62, 63

CONCLUSÃO
Hanseníase, pelo amplo espectro de apresentação clínica e acometimento de inúmeros órgãos, caracteriza-se como uma doença multidisciplinar que envolve, particularmente, o dermatologista pela exuberante manifestação cutânea. O polimorfismo de lesões das diferentes formas clínicas; provoca um Ieque de diagnósticos diferenciais, tornando a hanseníase muito atraente à pratica dermatológica. Todo paciente deve ser cuidadosamente examinado através de exame dermatológico, teste de alteração de sensibilidade, baciloscopia e biópsia com o respectivo exame hislopatológico para classificação da forma clínica e instituição terapêutica. O tratamento poliquimioterápico baseia-se em retornos periódicos (mensais) durante um periódo máximo de dois anos para as formas multibacilares (DD. DV a HV ). Como a tolerância é muito boa e são raros os efeitos adversos, não há necessidade de: exames laboratoriais precedendo a PQT, porém recomenda-se, quando possível, a realização de hemograma, parasitológico de fezes e enzimas hepáticas. Confirmado o diagnóstico do paciente, seus comunicantes familiares e/ou de trabalho deverão ser examinados, observando-se se receberam vacinação BCG intradérmica. Deverão ser efetuadas duas doses de BCGid em comunicantes, como medida profilática. A resposta terapêutica é boa. O tratamento deve ser introduzido o mais rápido possível, com o objetivo básico de diminuir o desenvolvimento de incapacidades e para o controle do endemia no país. Quadros de neurites, principal causa de incapacidades devem ser cuidadosamente avaliados e tratados com corticoterapia na fase aguda. Embora as reações hansênicas apresentem-se como quadros agudos, podem ser controladas em nível ambulatorial e tendem a diminuir em freqüência e intensidade durante o seguimento após alta terapêutica. O importante é conscientizar o clínico de que a hanseníase tem controle e comporta-se como qualquer doença infecciosa crônica, bem como de que a maioria dos sintomas que ocorrem após alta terapêutica está associada às reações imunológicas.

Referências

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Ministéio da saúde. Coordenação Nacional de Dermatologia Sanitária/Centro Nacional de Saúde. Guia de Controle da Hanseníase. 1a ed. Brasília, 1996, Centro Nacional de Epidemiologia, 1993.
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Lombardi C, Ferreira J. História Natural da Hanseníase. Lombardi C, Ferreira J, Motta CP. Oliveira MLW. Hanseníase, epidemiologia e controle. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado: Arquivo do Estado, 1990;(Cap I):13-20.
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Moschela SL, Pillsburg MD, Hurler HJ. Dermatology. 2a ed. Philadelphia, W. P. Saunders Company, 1981.

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