segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Doença óssea em Mieloma Múltiplo






Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia
Print version ISSN 1516-8484
Rev. Bras. Hematol. Hemoter. vol.29 no.1 São José do Rio Preto Jan./Mar. 2007
RESUMO


As principais manifestações clínicas do mieloma múltiplo estão relacionadas à destruição óssea. Esta doença óssea pode levar a fraturas patológicas, compressão da medula espinhal, hipercalcemia e dor, sendo uma das principais causas de morbidade e mortalidade. Estas complicações resultam do desequilíbrio da reabsorção e formação óssea, decorrente do aumento da atividade osteoclástica. Este aumento é mediado pela liberação de fatores ativadores dos osteoclastos, que são produzidos no microambiente da medula óssea por células tumorais e não tumorais. Os bisfosfonatos são inibidores específicos da atividade osteoclástica e são eficazes no tratamento da hipercalcemia associada às neoplasias malignas e podem reduzir o aparecimento de complicações esqueléticas. Estudos recentes identificaram novas moléculas como o receptor de ativação nuclear kappa B (RANK), seu ligante (RANKL), osteoprotegerina (OPG), e a proteína inflamatória dos macrófagos-1a, que estão envolvidas na ativação e diferenciação dos osteoclastos, enquanto que a proteína dikkopf-1 inibe a formação óssea osteoblástica. Estas novas moléculas parecem não só interferir na biologia da destruição óssea do mieloma, mas também com a sobrevida e crescimento tumoral, sendo novos alvos para o desenvolvimento de drogas antimieloma. Estudos recentes com anticorpo monoclonal anti-RANKL são promissores. O tratamento da doença óssea do mieloma múltiplo inclui principalmente o uso de bisfosfonatos, radioterapia e procedimentos cirúrgicos.

Palavras-chave: Mieloma múltiplo; doença óssea; atividade osteoclástica; bisfosfonatos.

Introdução

A principal manifestação clínica do mieloma múltiplo está relacionada à destruição óssea.1 Apesar do progresso da terapia antitumoral e de tratamentos mais agressivos, a incidência de doença óssea é elevada. Cerca de 80% apresentam lesões líticas à radiografia do esqueleto, outros 5% apresentam osteopenia evidenciada pela densitometria óssea. Fraturas patológicas são freqüentes, principalmente vertebrais. Tais fraturas são complicações que comprometem significativamente a qualidade de vida, com dores crônicas e muitas vezes com incapacitação motora. Conseqüente ao aumento da reabsorção óssea, 25% dos pacientes com mieloma múltiplo podem apresentar hipercalcemia.2

Avaliação da doença óssea do mieloma

Como as principais manifestações clínicas do mieloma são relacionadas com a doença óssea, é importante a avaliação do esqueleto. Várias técnicas têm sido utilizadas para esta avaliação. A detecção precoce de lesões com alto risco de fratura ou de compressão de medula espinhal pode levar à decisão de cirurgia profilática ou radioterapia. Além disso, a evolução da doença óssea é importante para a avaliação da resposta ao tratamento sistêmico.

Os estudos radiográficos convencionais continuam sendo universalmente utilizados na avaliação inicial de pacientes com mieloma múltiplo, considerados o padrão ouro. As radiografias mostram alterações ósseas, que consistem em lesões líticas em saca-bocado, osteoporose ou fraturas em 75% dos pacientes. Os locais mais freqüentes de comprometimento são as vértebras, crânio, arcos costais, pelve e porção proximal do úmero e do fêmur.

A cintilografia óssea com tecnécio-99m, geralmente altamente sensível na detecção de metástases ósseas de câncer de mama e próstata, não apresenta a mesma sensibilidade em mieloma. Estudos comparativos têm demonstrado que as radiografias convencionais detectam mais lesões líticas (sensibilidade de 74%-82%) do que a cintilografia óssea (sensibilidade 37%-60%).24,25,26

A densitometria óssea (dual-energy X-ray absorptiometry = DEXA) tem sido utilizada em alguns centros por fornecer informações importantes em pacientes com osteoporose, permitindo avaliar risco de fraturas e resposta terapêutica.27 A DEXA têm sido utilizada em alguns centros para avaliar as alterações da densidade óssea em pacientes com mieloma múltiplo em uso de bisfosfonatos.28

A ressonância magnética melhorou significativamente a avaliação de pacientes com mieloma. Além de ser útil na investigação de pacientes que apresentam dores ósseas mas não apresentam alterações à radiografia convencional, permite avaliar a extensão da infiltração da medula óssea, auxiliando inclusive na avaliação da resposta ao tratamento.29

A tomografia computadorizada é altamente sensível para identificar lesões líticas do esqueleto, mesmo antes de serem visíveis à radiografia. Entretanto, não é usada de rotina devido à superioridade da ressonância magnética, além do fato de não alterar o estadiamento ou decisões terapêuticas quando utilizada além da radiografia.30

Embora a histomorfometria seja eficaz para avaliar a extensão da perda óssea, sua utilidade é limitada por ser um procedimento invasivo e pela heterogeneidade do comprometimento ósseo nestes pacientes.

Os marcadores de reabsorção óssea, como a piridinolina, deoxipiridinolina e o telopeptídeo do colágeno I N-terminal na urina, estão aumentados; enquanto os marcadores de formação óssea, como a osteocalcina e a fosfatase alcalina óssea, estão diminuídas no mieloma. A avaliação destes marcadores tem sido mais utilizada no âmbito de estudos clínicos.31



Abordagem terapêutica

Radioterapia

As células do mieloma são sensíveis à radioterapia.32 Esta modalidade de tratamento pode ser curativa para plasmocitoma solitário ósseo ou extramedular, embora a maioria destes pacientes possa evoluir para mieloma múltiplo.33 Muitos pacientes com mieloma necessitam de radioterapia em algum momento do curso da doença, sendo freqüente a indicação em lesões que causam dores, obtendo boa resposta com a dose aproximadamente de 3000cGy, em 10 a 15 frações.34 Em 10% a 20% dos pacientes com mieloma pode ocorrer compressão da medula espinhal, e o uso de corticosteróides e radioterapia pode evitar déficit neurológico permanente.

Cirurgia

A maioria dos centros que cuidam de pacientes com mieloma múltiplo encontra dificuldades nas recomendações para indicações cirúrgicas e relata que esta modalidade terapêutica é subutilizada nestes pacientes. A abordagem ortopédica da fratura patológica é diferente do tratamento da fratura traumática ou osteoporótica.

Fraturas vertebrais

O local mais freqüente de fraturas patológicas em pacientes com mieloma é o esqueleto axial. Na ausência de complicações específicas, como a instabilidade da coluna vertebral ou compressão da medula espinhal, o tratamento tem sido restrito ao controle da dor. Recentemente, algumas técnicas cirúrgicas têm sido desenvolvidas e utilizadas como outras opções para o tratamento de fratura vertebral sintomática, como a vertebroplastia e a cifoplastia.

A vertebroplastia é um procedimento radiológico intervencionista para o tratamento de pacientes com compressão vertebral causada por osteoporose, metástases ou hemangioma.35 Consiste na injeção percutânea de cimento ósseo (polimetilmetacrilato) dentro da vértebra. A principal indicação é para tratamento da dor. Num estudo com 37 pacientes com metástases ósseas e mieloma, a taxa de resposta para diminuição da dor foi de 97%.36 Os principais riscos deste procedimento são o extravazamento do cimento e embolia pulmonar, porém estes riscos são baixos.37

A cifoplastia representa uma modificação da vertebroplastia que, além de estabilizar a vértebra e aliviar a dor, restaura o corpo vertebral à sua altura original. Isto é possível pela inserção de um balão inflável dentro do corpo vertebral, que pode criar uma cavidade dentro da qual o cimento ósseo pode ser introduzido. Num estudo que incluiu 18 pacientes com mieloma múltiplo, a cifoplastia foi segura e eficaz, com melhora importante da dor e função.38

As complicações da cifoplastia e vertebroplastia são similiares, mas a frequência de extravazamento do cimento é mais baixa com a cifoplastia.39 A cirurgia da coluna vertebral está indicada se houver evidência de instabilidade da coluna vertebral.40 Em caso de compressão da medula espinhal, sem evidência de instabilidade vertebral, a radioterapia e corticosteróides são as melhores opções.40

Fraturas de ossos longos

A incidência de fratura de ossos longos é relativamente baixa quando comparada às fraturas vertebrais em mieloma múltiplo, mas o impacto na qualidade de vida é importante, pois freqüentemente requer hospitalização e cirurgia para fixação.

Para pacientes com doença osteolítica em ossos longos, a cirurgia profilática deve ser considerada.41 De uma forma geral, as fraturas patológicas deveriam ser consideradas como inevitáveis quando 50% ou mais da cortical estiver comprometida. Quando a erosão da cortical é inferior a 50%, a radioterapia pode ser indicada sem a fixação profilática, exceto quando ocorrer no colo do fêmur, onde para qualquer erosão da cortical deve ser considerada a indicação de cirurgia.

As fraturas do fêmur e úmero requerem na maioria das vezes a fixação com haste intramedular, seguida de radioterapia. Em caso de destruição óssea mais extensa, tanto do fêmur, como do úmero proximal, deve ser considerado o uso de endoprótese.42,43

Bisfosfonatos

Equilibrar a reabsorção óssea é uma das formas de tratar as complicações do mieloma múltiplo. Os melhores inibidores da atividade osteoclástica são os bisfosfonatos, que são análogos sintéticos de pirofosfato inorgânico, nos quais o átomo de oxigênio central é substituído por átomo de carbono, para fazer a ligação P-C-P, que é responsável pela maior afinidade destes compostos pelo osso. As modificações destas ligações centrais para cadeias laterais aumentam a afinidade dos bisfosfonatos por hidroxiapatita e aumenta sua potência quanto à anti-reabsorção. Com relação à potência relativa dos bisfosfonatos, o ácido zoledrônico é da terceira geração e é o mais potente deles.44

Os bisfosfonatos são muito utilizados para controlar a hipercalcemia em pacientes com mieloma múltiplo. Estudos controlados por placebo, geralmente incluindo pacientes com mieloma múltiplo estádio III (Durie & Salmon), têm demonstrado que os bisfosfonatos, principalmente clodronato, pamidronato e ácido zoledrônico, contribuem para o controle da doença óssea a longo prazo.45-48 Nestes estudos foi possível demonstrar uma redução da incidência de eventos esqueléticos, controle da hipercalcemia, diminuição das dores ósseas e melhorar a qualidade de vida do paciente.

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